que nunca houve mas podia
e da mesma mão que não batia
estirava-se o braço que acolhia
abrigo dos outros perigos que o mundo
as gentes, a fome, a solidão, a doença,
meu bem,
às vezes estou bem. ainda não sei como escrever medo e desejo porque é outono e faz quente. existir é deixar de ser invisível. tenho me perguntado como soltar a palavra acuada, acusada. deixá-la sair assim: pelada, desavergonhada, safada, pra falar que gosta, só gosta. como verbar o corpo: beijar, dormir, sussurrar, sorrir, conversar, olhar, roncar, beber, segredar, gozar, estar, sem dever depois?
(por isso disfarço e alimento vícios secretos inconfessáveis)
não sei dizer mais, disse dois ou três poemas atrás. então engulo. amarga. regurgito. ácida. engulo de novo. ressentida. calo e vomito. e pela minha pele queimada escorrem suor e culpa, ardem vergonhas flamejantes.
grito tão incompetente que.
(assino agora essa carta de horror. nome de novela mexicana. propício.)
A Impostora
p.s. poderiam ser dois textos, mas é um só. decidi no caminho.
havia tempo que tinha esquecido como dizer bem. antes eu sabia que só sorrir no rabo de olho era um modo de avesso certo. era um troço de ser eu pra além da casca: um pouco casco, um pouco pinça, um pouco fogo queimando no fundo daquele poço que quase ninguém visita. Abismo era uma palavra que eu gostava tanto. Deserto também. hoje eu prefiro as minúsculas: um abraço no domingo, um cochilo, pouco susto. voo baixo, sem gravidades. olha a pressão, olha. é outono e é bom porque faz frio aqui. frio é minúscula também. como beijar, dizer, dormir, esperar, envelhecer. envelhecer pode ser bonito. eu li.
escrever é um jeito de enxergar pra fora.