segunda-feira, junho 30, 2025



minha mãe amou de um jeito rude. como minha avó a amou. e amou à minha avó, a sua mãe. não abraçar, não elogiar, não enternecer. machucar. ensinar a sobreviver melhor.

quando fotografia amarela, eu me repito o dia nublado e frio. uma criança pequena beija a mãe sob o olhar de outra mãe. 

desde que me lembro, três. sempre juntas. sempre sozinhas. às vezes nós.



domingo, junho 22, 2025

é tempo do esquecimento.
a memória das coisas que poderiam ter sido. 
aquele quase do Sá-Carneiro que vai virar tatuagem. 
todas as coisas que tu nunca escutou.
as listas que coleciono junto com os bichos que liberto das máquinas em postos de gasolina.
tento arrancar das páginas dos livros o luto necessário e deixo a madrugada estraçalhar meus vidros

solitário, um sorriso de canto de boca no peito.

quinta-feira, agosto 29, 2024

 nunca antes tanto deixar ir

algumas certezas

uma pilha de amores

as palavras certas

fotografia derretida feito lágrima


descobrir

lar não é quando se volta pra casa


o Amor que vai

(o Amor que volta)

emaranhando

feito pensamento

descontrole enredando a história

fio


água ainda sou eu

lodo não 

sexta-feira, fevereiro 02, 2024

as mulheres perspontam tecidos com fios de penélope
sempre olhar o avesso, minha vó dizia
no que não se vê é que está a beleza

quase poesia

vida é bordada no corpo com
pequenos suspiros
os dedos delicadamente sangrados pra parir o tempo

domingo, janeiro 14, 2024

cada pedaço de mim se desfaz na tua boca
uma suicida que aceita o veneno a conta-gotas como quem digere aquilo que resta de ar
um dia depois do outro
e outro mais
como guardar no corpo o calor do peito acelerado
é noite de uma primavera sem brisa
durmo no abraço da minha imprópria ausência quando me despeço de cada quase 
(houve um poeta português que.
- eu te contaria se pudesse com tom solene. e tu me depositarias os olhos embriagados)



sexta-feira, janeiro 05, 2024

      e eu te recebo como quem espera já sem nome. tua inconstância de mar, a violência dos beijos furtivos, a falta de um corpo ser de novo um corpo dentro dos abraços. eu, exaustiva pandora que guarda teus olhos mornos de culpa e amor. sobreviventes enquanto houver toda dor cravejada de sal. é sempre noite quando há desamparo.

domingo, novembro 12, 2023

 respiro nos teus passos gagos

um tropeço 

outro tropeço 

tua boca engole minha vida inteira

depois de eu enlear teu corpo imenso

até que todo osso meu 

seja apenas pó

sexta-feira, outubro 27, 2023

deixar a falta como quem deixa ir o inverno, com saudade do calor do abraço quente que protege do minuano arranhando a pele. deixar ir como quem embala com cuidado as boas lembranças. a mão nas minhas costas dizendo que tudo vai ficar bem. café frio. riso. carnaval gritando amor em um pote de conserva. amor-remédio, ponte, embarcação. as palavras erradas. aliterações. as fotografias. desejo de sorvete em noite escura. todos os fósforos queimados. dois animais selvagens no meio da rua. uma caneca quebrada. fechar em silêncio a caixa em que eu escrevi muitas vezes fim.

domingo, outubro 22, 2023

sei bem sobre encontrar caminho pra não voltar. aprendi cedo a impermanência. pequena já costumava trocar os calçados nos pés e achava divertido tentar correr com eles até estatelar. tenho algumas cicatrizes: sempre o mesmo joelho muitas vezes ralado, onze pontos no supercílio, um coração piegas. foi assim que aprendi a mentir o riso; esse soluço. como chorar com o chinelo direito no pé esquerdo.

como faz pra estar quando tudo dentro é fissura?

sexta-feira, outubro 13, 2023

nunca pedir
pra não incomodar
nem mais bolacha, 
nem pra dormir fora,
nem pra deixar a luz acesa

não falar

não rir alto

ser agradável

ser ajeitadinha

(bonita não é)

ser adequada

frequentar

comer sem descolar os cotovelos

(quem tem asa é galinha)



minha avó criava muitos bichos. morava numa casa pré-fabricada que cheirava a quesosene uma vez por ano. eu cheirava a suor, poeira e Kollynos. os dias acabavam no rio às dez horas da noite. as crianças gritavam nas ruas inteiras, encondiam-se, encontravam-se, empulgavam-se com os cachorros e metiam-se com os pássaros nos ninhos. eu tinha medo de sapo, de mboitatá e da foto do tio-avô morto, que ficava debaixo da renda da cortina cor de rosa que cobria as paredes de dentro. minha avó era um mundo inteiro e cheirava a alho, pão caseiro e colônia de rosas barata.


lá, migalhas eram sobre galinhas e codornas. nunca sobre amor, essa fartura.