sexta-feira, setembro 15, 2023

 numa ocasião minha mãe me levou numa festa de meninas ricas. num quarto de brinquedos havia muitas bonecas, tantas, que eu nem conseguia contar. não podíamos pegar. só a criança da casa, empertigada e receptiva, escolhia quais quais apresentar, quais oferecer ao toque. a grande atração,  no centro do quarto era uma casinha - inha - porque era do tamanho para algumas das menores bonecas morarem: uma família inteira. para nós, era quase da nossa altura, de tão grande. pelo teto que se abria, ela manipulava as moradoras, mãe, pai, filhinhas, gato, cachorrinho: fabulava, dava-lhe os direito à atuação diante dos nossos olhos espantados e mãos de quem assiste a tudo com ansiedade. nem as bonecas nem nós tínhamos escolha sobre o enredo mil vezes ensaiado, a não ser viver o espanto de sermos deliciosamente controladas por horas sob a lusco-fusco da luzinha amarela que vinha de dentro do brinquedo. éramos todas miúdas marionetes circulando pelos luxuosos cômodos daquela mansão em uma tarde festiva. "agora está na hora de dormir, filhinha, que o papai vai te contar uma história" "que tal fazermos um bolo juntas para o surpreendermos quando voltar do serviço?" "auauau" "que malandro, quebrou meu vaso chinês" "vamos para a serra dar um passeio?". a, a crueldade infantil.

aquele talvez tenha sido o primeiro momento em que esperei desesperadamente ser outra. uma pequena boneca de plástico de origem duvidosa cuja vida perfeita era, por algumas horas manipulada diante dos meus olhos encantados sob a lâmpada confortável das tardes.

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