domingo, setembro 24, 2023

 tentar rasgar a felicidade com delicadezas de seda

quando é de manhã teu hálito explode  morno em minha nuca

perfura meu peito uma garra fria

tuas mãos escrevem segredos em minhas costas

faço silêncios enquanto arrebento

a língua enrodilha-se em transe

meus dedos beliscam de novo as asas do inseto noturno

quarta-feira, setembro 20, 2023

 eu queria escrever sobre as cores dos teus olhos. mas é como se teu rosto se vestisse daqueles aneis ordinários de camelôs cujas pedras alteram a tonalidade conforme o humor. tu me explicas que é a luz que ora colore de castanho o verde intenso ou enche de transparência tanta cor. uma floresta inteira em redemoinho. quando tu mentes eles escurecem e eu também. teus olhos dizem mais do que teu corpo todo. é como eu quando escrevo. daqui onde estou espio teus olhos amarelos e úmidos diante da palavra amor.

domingo, setembro 17, 2023

 enovelado inteiro o meu pavor no teu abraço 

o corpo se debruça sobre a murada do andar mais alto do edifício

a praça da infância, um rio que guarda uma cidade inteira, um navio fantasma com suas bandeiras coloridas, alguns prédios amarelos guardando história

embaixo tudo é estático e está em movimento 

como um bonsai (ela me disse)

de longe eu nunca tenho medo da vida

que flui violenta sob as calçadas do centro da cidade


os olhos já saltaram, suicidas

os pés  seguem fincados na terra

a sanidade que resta

sexta-feira, setembro 15, 2023

 numa ocasião minha mãe me levou numa festa de meninas ricas. num quarto de brinquedos havia muitas bonecas, tantas, que eu nem conseguia contar. não podíamos pegar. só a criança da casa, empertigada e receptiva, escolhia quais quais apresentar, quais oferecer ao toque. a grande atração,  no centro do quarto era uma casinha - inha - porque era do tamanho para algumas das menores bonecas morarem: uma família inteira. para nós, era quase da nossa altura, de tão grande. pelo teto que se abria, ela manipulava as moradoras, mãe, pai, filhinhas, gato, cachorrinho: fabulava, dava-lhe os direito à atuação diante dos nossos olhos espantados e mãos de quem assiste a tudo com ansiedade. nem as bonecas nem nós tínhamos escolha sobre o enredo mil vezes ensaiado, a não ser viver o espanto de sermos deliciosamente controladas por horas sob a lusco-fusco da luzinha amarela que vinha de dentro do brinquedo. éramos todas miúdas marionetes circulando pelos luxuosos cômodos daquela mansão em uma tarde festiva. "agora está na hora de dormir, filhinha, que o papai vai te contar uma história" "que tal fazermos um bolo juntas para o surpreendermos quando voltar do serviço?" "auauau" "que malandro, quebrou meu vaso chinês" "vamos para a serra dar um passeio?". a, a crueldade infantil.

aquele talvez tenha sido o primeiro momento em que esperei desesperadamente ser outra. uma pequena boneca de plástico de origem duvidosa cuja vida perfeita era, por algumas horas manipulada diante dos meus olhos encantados sob a lâmpada confortável das tardes.

domingo, setembro 10, 2023

beijar tua boca com língua de faca, enquanto olho um pedaço de azul nascer no meio das raízes que insistem em fazer caminhos entre nós 

- mais de cem metros sob os pés

pior que figueira

(tu me disse)


esperar que o amor escorregue por elas

feito água que sou


e incendeie a casa inteira

sábado, setembro 09, 2023

 amor

teu nome redondo em minha saliva

princípio de língua

ora trono, ora antro 


antagônico

sábado, setembro 02, 2023

           acordo pra olhar o mar

a ressaca tem a cor dos teus olhos