quinta-feira, dezembro 28, 2006

Brota mais um querer
Desbotado e frágil
Nasce sem se saber
Desconhece-se roto
É borboleta - belo e breve
Quando parte, restam as asas
Ruflando coloridas no meu céu

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Quando desejo, destruo
Eu te amo, eu te mato
Te sufoco em meu abraço
Tuas forças, eu esgoto
Vampirizo teu espaço
Atropelo teus segredos
Demonizo os teus passos
Corto os pulsos, eu me mato
Exagero meus sentidos
O teu corpo, em mil pedaços,
Serial killer - eu degusto
Te devoro e te mato
E te amo mais um tanto
E cometo todo dia
O meu crime predileto

sexta-feira, dezembro 22, 2006

te comeria até do avesso
não restaria nem o bagaço
te acabava assim num traço
te mandaria para o espaço
eu rasgaria todos os medos
me esconderia nos teus segredos
mastigaria os teus espelhos
te adormecia como meu macho
eu te fazia o meu palácio
e me fazia o teu capacho
te amarraria bem com um laço
te oferecia no meu despacho
eu guiaria então teus passos
para dentro dos meus braços

quinta-feira, dezembro 21, 2006

nessas noites quentes,
de céu sem estrela,
de vida em suspense,
eu penso no beijo da gente

no beijo de língua, profundo e crescente
no beijo de alma, salgado e sereno
no beijo de sangue, volúpia e desejo
no beijo de espanto, milagre e segredo
no beijo obscuro, calado e moreno
no beijo de corpo, molhado e corrente
no beijo da gente, medrosa torrente

(deixei o começo
tirei só o fim
ficou o teu beijo
gravado em mim)

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Amor é queda-livre no abismo. Amor é o abismo. É o escuro das incertezas, é o nunca chegar no fundo, é o medo de achar, um dia, o chão, o concreto. Amor é rota sem placas, o próprio descaminho (mas não via de mão-única). Amor sobrevive ao falso. Porque Amor é o falso. Porque não há verdade no Amor. Ele alimenta-se das pequenas mentiras, embriaga-se do seu melhor e mais mortal veneno. E porque nunca existe de fato é que ele é.

Somente as coisas que criamos é que são reais. A Realidade, inclusive. E o Amor próprio.

Que me tome a cegueira, este mal dos que amam, demais e por engano. E se eu resistir e quiser pagar pra ver, por favor, vendem meus olhos.

domingo, dezembro 17, 2006

a coup de dés
eu sou eu
você é você

o que foi dado?
o que foi roubado?
escolha ou acaso?
certo ou errado?

alea jacta est
meu corpo descansa
onde estiveste

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Chega com gosto de segredo
E fala despacito e sem medo
Como vento de noite quente
Toma tudo sem aviso
Riso solto de perigo
Em curvas de infinito
Os olhos de precipício
Imprevisíveis
Imprevisto

segunda-feira, dezembro 04, 2006


O nada é repleto das coisas que nunca são.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

02 de novembro

A criança, no auge de seus dois anos, abismou-se com tantas cores e velas. Cantou parabéns e assoprou todas as que pode. Os túmulos eram bolos de aniversário. Gigantes!

quarta-feira, novembro 29, 2006

Gran finale

Quando o circo apagou os últimos holofotes, o vagão de espirais laranja recebeu-a com carinho. Entre tiras de tecido coloridas, observou seu leito. Cuidadosamente, abriu a caixa azul-celeste e contemplou o céu pintado no fundo. Retirou o macacão para vestir-se da própria pele. Pálida depositou-se nela. Primeiro o ventre, seguido dos pequenos seios. Encostou lentamente o triângulo que apontava para seu secreto sexo. Apoiou as coxas e com a ajuda das mãos cruzou as pernas sobre elas. Dobrou os braços, quase tocando a curva das nádegas. A cabeça descansou sobre a lua redonda e branca. Com um breve movimento fez com que a tampa se fechasse. A contorcionista dormiu eternamente seu sonho de estrela.

Clandestino

Eu ia dizer, mas sua língua preencheu minha boca. Eu ia dizer, mas você mordeu o lóbulo da minha orelha. Eu ia dizer enquanto sugava o bico do meu seio esquerdo, mas seu gosto alagou o meu umbigo. Então você escorregou pela minha barriga e esqueci todas as palavras. Quando lembrei, você, serpente, já tinha dado o bote e partido.

- Por que você não fica? – murmurei para o seu cheiro no travesseiro.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Pequeno Polegar

Adolescentes compartilhando a balada do final-de-semana:

- ... aí, ele me grudou. Mas, tipo, olhei o tamanho do polegar. Assim... Ridículo.

- Bó, palhaçada! Ae não rola, se é pequeno, sipá uns pega.

Cinderela

Passava da meia-noite quando entrou no inferninho cool. Rodopiou a saia e os cabelos pela pista por toda a madrugada. Entrou em casa trôpega; o salto quebrado. Decadente abóbora.

Branca de neve

- Suruba é mais caro... Vocês são quantos mesmo?

Rapunzel II

- Quando o cabelo começar a cair, tu raspa e compra uma peruca. Dizem que fica bom...

Rapunzel I

Saiu do salão sentindo-se careca. No bolso, cem pila pelos cabelos vendidos. Dava pro aluguel.

terça-feira, novembro 14, 2006

Três porquinhos

Tomates, alface, berinjela, aipo, aspargo e champignon. Peixe, frango, gado. Toda variedade de frutas. Banquete.

No lixão, só os três guris, olhos atentos no caminhão que despeja os restos da cidade.

Peter Pan

fica tranqüilo... eu sei, isso acontece... nunca tinha acontecido antes, eu acredito... mas depois dos quarenta... é normal, relaxa... eu entendo...vamos tentar de novo... assim... mas... quem sabe tu guarda a chupeta dessa vez?

Bela adormecida

Olhou a mulher que dormia. Nua. Bela. Mas o seu nome, como era?

segunda-feira, novembro 13, 2006

Chapeuzinho vermelho II

Estava na idade do lobo, por isso adorava comer guriazinhas.

Chapeuzinho vermelho I

Por que esses olhos tão grandes? Por que essa boca tão grande? Por que ... ?

Entre as árvores, no escuro da praça, ela foi devorada. Depois vestiu novamente o moletom vermelho. Que frio.

Pinóquio

Suas mentiras eram do tamanho do seu pau. Por isso ela tolerava.

Experimentando Minicontos

Sim, este é o blog da Rita... Mas e essa prosa toda?

É, este blog não é confessional (não é?) há algum tempo. Mas a situação precisa ser explicada, porque afinal (e isso é surpreendente ainda) há gente que me lê e o título deste lugar é Poética. Tá, é o seguinte... sempre gostei de contos, já tinha me aventurado pelo caminho, mas sem gostar o suficiente do resultado. Continuo não achando que sou "o cara", mas os 30 me deram mais cara-dura, mais coragemn pra colocá-la à tapa.

Tudo é culpa de um povo, um grupo de escritores, que eu encontrei por absoluto acaso na 52ª Feira do Livro, na Tenda de Pasárgada (que é um container). Seria este o deslugar? Enfim, o trabalho é muito bom, o grupo é muito bom, e eu levei fé. E quem me conhece, sabe que eu não digo isso à toa. Ganhei os primeiros livros , comprei os outros. Faça o mesmo. Conheça-os, leia-os.
http://www.casaverde.art.br

A prosa tomou conta mesmo... mas chega. Critiquem, opinem, sou amadoríssima no gênero.

terça-feira, novembro 07, 2006

Quando ligou e perguntou o que eu queria pra jantar, pensei em dizer: "você". Mas calei e pedi um corte de carne. Como já me adivinhasse, chegou com flores e suspiros para sobremesa.

terça-feira, outubro 31, 2006

quem tem medo?

lobo mau
doce menina
olhos caninos
noite escura
chuva fria
estrada deserta
pra nos devorarmos melhor

segunda-feira, outubro 30, 2006

Significado do nome

um jardim pincelado de branco
um espaço cheio de mim
flor clara e bonita
a margarita

quinta-feira, outubro 26, 2006

Há um silêncio gordo
com peso da calmaria
que antecede o temporal

Não se move folha
Não se move vento
Nada se modifica

É tudo estável e inseguro
porque não há conforto no previsto
Ele é porque é
Aquilo
Igual
Imutável
Dèjá vu

A dor de ser está no saber que tudo é
Voltas em torno de um mesmo si

quarta-feira, outubro 25, 2006

pequena de amor
escondo a dor sob as mãos
na concha sou mesmo pérola:
brilhante, rara e eterna

domingo, outubro 15, 2006

tens o peito em correnteza
água-fúria, água-viva
deixas meu barco sem porto
fazes cachoeira em meu corpo
que sem ti só faz chorar

teus olhos enluarados
qual boto, bicho encantado
cantam sereias nas noites
deixam caminho de estrelas
por onde me arrasto, aos teus pés

és fruto da madrugada
me preenches com teu nada
me deixas a casa vazia
mas a alma enfeitiçada

tudo em ti é tempestade
é torrente, dilúvio, aguaçal
espelho turvo de céu
onde deságuam os sonhos
que fazem o amor, temporal

quinta-feira, outubro 12, 2006

Enquanto voas, passarinho
Cato as notas da tua canção
Migalhas das quais sobrevivo
Aninhada em minha solidão

A menina não tem asas
Ela não pode voar
Mas tem pés de bailarina
Te ensina a cirandar

Enquanto cantas, passarinho
Colho acordes, flor em flor
Jardim no qual desabrocham
Botões coloridos de amor

A menina já não dorme
Aguardando o teu pousar
Tem na mão o coração
Que só sabe te esperar

segunda-feira, outubro 09, 2006

sentado sobre nuvens
um menino de milênios
colhe estrelas cintilantes
e distrai-se jogando-as
uma-a-uma, cá embaixo,
na alma distraída dos passantes

saltitando sobre nuvens
um menino de milênios
pega cores de uma caixa
estende cada uma delas,
tira-por-tira, delicadamente,
depois escorrega por elas
até fazer-se homem, mortal

caminhando quase austero
os olhos de infância eterna
buscam nos olhos que caminham
suas pratinhas perdidas
quando as encontra, por vezes,
refletidas nos espelhos
brinca com elas, magnetiza
e põe no bolso a alma que a guarda

caminhando quase antigo
sorri homem, todo menino
no peito lotado de brilho
protege, lustra, lapida
seus presentes de eternidade
que ele chama de amigo

domingo, outubro 08, 2006

abro a janela azul
(como quem desata laço roxo de fita)
e dela salta o sol do presente

ele me abraça, me festeja
ele me cobre de beijos quentes
ele faz firulas e sombras
ele é macio e canta futuros sem nuvens

eu sou só desejo
nesses braços quentes

terça-feira, outubro 03, 2006

"Portanto, não tenham medo deles. Não há nada escondido que não venha a ser revelado, nem oculto que não venha a se tornar conhecido." (Mt, 10:26-27)

O sol a pino queima minha cabeça
O sol a pino arde em minha cabeça que dói
Ela está atrás de mim e não a vejo
Ela é maior e me aponta o dedo
Eu fecho os olhos
(e o que vejo é o escuro)
Ela está ao meu lado
(e o que vejo é o escuro)
Ela é o espelho do meu avesso
Ela é a sombra da qual todos tem medo
Ela é o duplo
Ela é o eclipse
Ela é o esquerdo
Eu abro os olhos e a vejo
Ela está na minha frente
Igual, me olha com os olhos que tenho
Claro-escuro dança sobre os meus pés

domingo, outubro 01, 2006

Ana com flores na cabeça
Rosas rubras de paixão
Miosótis pálidos adormecidos
Gérberas laranja amanhecendo
Azaléias roxas de raiva
Gineceus em festa
Saltando do alçapão

Ana caminha gazela
Ana brinca, Anaquarela
Anistia, amistad
Ana é ela
Ana é bela

sábado, setembro 30, 2006

já conheço seus truques
o embaixo da capa
você do avesso
em todas as direções
adivinho seus passos
suas letras, suas cartas
(todas ridículas)
seu abracadabra

descubro seu rastro
e te abro, bagagem,
e guardo o que é meu
pra que seja também

depois é só viagem.

sexta-feira, setembro 29, 2006

Ele me encontrou assim:
trapo do que fui,
no meio da cesta.

Cuidadosamente, perfurou o tecido
e amarrou o nó
(por dentro, onde é secreto)
para não perder o fio da meada.

Enquanto costura aquilo que é roto,
me faz festa, me faz fantasia.

Depois cobre de brilho o seu corpo
mesmo quando é sempre dia.

segunda-feira, setembro 18, 2006

não sei se sou amante
só sei que gosto
agora e antes
só sei que gosto
nesse instante

quer que eu cante?
à beira do abismo
as asas abertas
e ainda há quem grite:
- não se precipite!

domingo, setembro 17, 2006

ainda há um resto de sal
partículas de temporal
e lábios sedentos
e beijos não dados
e mãos apertadas em oração

pelo chão, palavras cortadas
misturas às notas cansadas daquela canção

há o copo vazio
há os cacos de um corpo

ecos velados nas vozes de adeus

terça-feira, setembro 12, 2006

Vê essa parede?

nela há vida
flores roxas e brancas
há frente
atrás
há tijolos laranja
cimento e gente
há sentimento
muitas mãos, suor
há espelhos encobertos
janelas imaginadas
há sol e chuva
borboletas encantadas

Ainda vê essa parede?
devia ser a mulher da sua vida
que seus olhos não cansam de olhar
ser meu nome a palavra preferida
o corpo em que quer sempre repousar

devia ser o inferno e a morada
desejo sussurrado em seu ouvido
ser minha pele sua amante desejada
antes e depois de adormecido

e quando eu puder, enfim, perceber
que o amor é que precisa de agora
talvez possa definir o querer

de ficar viva em ti ou de ir embora
por que tudo em mim é sempre você
ainda que somente em minha memória

quinta-feira, setembro 07, 2006

tonteei-te tateando tatame
todo tonto todo toureiro
rolamos roídos ralando roupas
caímos colados comendo cabelos
delícia demente dormente deitada
suspiros sentidos suados sonhamos
uivava urgente um único urro
juntando joelhos janelas jardins
zipados zoamos zonzos zelosos
gatunos gritamos grudados gozando
viagem vazia vai vento vai vela
boca baton bunda beijada
pelados perdidos pedimos pecados
muita malicia mordemos maçã
quando queremos quanta quadrilha

(Poema a 4 mãos: Caio Martinez e Rita Cavalcante)

terça-feira, agosto 29, 2006

Como dizer o que não pode ser dito?
Como cantar se já não há asas?
Como apagar o que nem foi escrito?

Se não há mais tempo, como acertar os ponteiros?

Como descobrir os corpos se não houve despedida?
Como achar o norte se morreram as rosas?
Como sorrir se tudo é ferida?

Se tudo é sal, como deixar de ser pranto?

Tudo é imaterial e sensível
Bolha translúcida sob o amarelo

quarta-feira, julho 26, 2006

por trás da armação
debaixo da armadura
vive o homem a quem pertenço
desde sempre
sem reservas, sem resíduos
inteira e dele

domingo, julho 16, 2006

ele é sol de noite
ele é lua de dia
isso seria uma poesia
não fosse tanta tristeza

terça-feira, junho 20, 2006

Ponto Final

Visto lentamente o véu
Retiro suas mãos do meu quadril
Arranco seu gosto do meu corpo
Apago as marcas dos seus dentes

Bastarda do seu amor
Eu me basto em mim

domingo, junho 18, 2006

despedidas

Eu só queria saber dizer
Que minha alma é tua casa
Que meu corpo é teu abrigo
Que o tempo é relativo
Que não é sozinho
Que só é comigo

segunda-feira, junho 12, 2006

ponto G

garoto
cheiro teu gosto
gosto
esgueira-se gato
galego
fazemos a guerra
gandaia
ganhamos os dois
gozo

sábado, maio 20, 2006

Tudo em você é blues
exceto seu coração vermelho

segunda-feira, abril 17, 2006

É esse gosto de noite que eu espero
Esse silêncio
Cala a palavra proibida
Palavra alguma
Mudo tudo

No furto há o fruto que desejo
Unhas tocando o corpo-violão
Rasgam em coro a madrugada

sábado, abril 15, 2006

Na certeza de meus versos
a surpresa de descobrir
sob a espuma negra
os olhos abismados
de todas as dúvidas aladas

(pro meu querido amigo arcanjo...)

sexta-feira, março 24, 2006

Funilaria

noite adentro
e no pranto
o espanto
de sol que ainda raia
na madrugada escura

quinta-feira, março 23, 2006

II

Faz escuro
Chove prateado sobre o abismo
A lua não teme a noite
Em surdos movimentos a penetra
A noite desfruta o mistério
E a devora
Corpos já mortos se (re)velam
Consomem-se luz e sombra
Até se tornarem alvorada

I

Lucidamente suicida
Me afogarei no moreno dos seus cabelos
Em suas espirais, serei eu e serei mais
E quando teus olhos descansarem em meu corpo
Gozaremos juntos esse deja vu de eternidade