domingo, novembro 12, 2023

 respiro nos teus passos gagos

um tropeço 

outro tropeço 

tua boca engole minha vida inteira

depois de eu enlear teu corpo imenso

até que todo osso meu 

seja apenas pó

sexta-feira, outubro 27, 2023

deixar a falta como quem deixa ir o inverno, com saudade do calor do abraço quente que protege do minuano arranhando a pele. deixar ir como quem embala com cuidado as boas lembranças. a mão nas minhas costas dizendo que tudo vai ficar bem. café frio. riso. carnaval gritando amor em um pote de conserva. amor-remédio, ponte, embarcação. as palavras erradas. aliterações. as fotografias. desejo de sorvete em noite escura. todos os fósforos queimados. dois animais selvagens no meio da rua. uma caneca quebrada. fechar em silêncio a caixa em que eu escrevi muitas vezes fim.

domingo, outubro 22, 2023

sei bem sobre encontrar caminho pra não voltar. aprendi cedo a impermanência. pequena já costumava trocar os calçados nos pés e achava divertido tentar correr com eles até estatelar. tenho algumas cicatrizes: sempre o mesmo joelho muitas vezes ralado, onze pontos no supercílio, um coração piegas. foi assim que aprendi a mentir o riso; esse soluço. como chorar com o chinelo direito no pé esquerdo.

como faz pra estar quando tudo dentro é fissura?

sexta-feira, outubro 13, 2023

nunca pedir pra não incomodar
nem mais bolacha, 
nem pra dormir fora,
nem pra não apagar a luz,
nem pra ganhar colo

não falar muito

não rir alto

se puder, só falar sobre o que é agradável 

ser agradável

inclusive aos olhos

ser adequada aos ambientes

frequentar bons ambientes

comer sem descolar os cotovelos

(quem tem asa é galinha)

alimentar boas relações 

adequadas


minha avó criava muitos bichos. morava numa casa pré-fabricada que cheirava a quesosene uma vez por ano. eu cheirava a suor, poeira e Kollynos. os dias acabavam no rio às dez horas da noite. as crianças gritavam nas ruas inteiras, encondiam-se, encontravam-se, empulgavam-se com os cachorros e metiam-se com os pássaros nos ninhos. eu tinha medo de sapo, de mboitatá e da foto do tio-avô morto, que ficava sob a renda da cortina cor de rosa. minha avó era um mundo inteiro e cheirava a alho, pão caseiro e colônia de rosas barata.


lá, migalhas eram sobre galinhas e codornas. nunca sobre amor, essa fartura. 

terça-feira, outubro 10, 2023

ali onde há pouco havia acordado o ventaval até parece agora só memória da casa da infância
uma varanda larga onde ela gostava de espalhar as pedras que buscava na rua cheia de terra

procurava as mais redondas para fazer delas o que inventava: um cachorro gordo, um pai que estava, uma mãe carinhosa, o irmãozinho que ria ao encontro dos abraços, amigas com quem dividir um sanduíche no recreio, um avô nunca conhecido

enquanto as rolava sobre o ladrilho vermelho, entre seus dedos infantis, preenchia de mentiras os vazios que carregaria por toda a sua existência


sábado, outubro 07, 2023

 prometerei nunca mais escrever saudade como quem abraça quente no domingo
nem dobrar com cuidado as palavras para guardá-las delicadas nas gavetas das coisas que doem
prometerei não sorrir diante das promessas nunca cumpridas, dos beijos roubados em muros vadios, das noites mal dormidas pelos sonhos desfeitos
prometerei ser outro nome qualquer, outro livro abandonado na estante, outra imagem roubada entre tantas outras que os olhos mal viram
prometerei o desejado silêncio em constrangedoras conversas 
e não oferecer mais nenhuma pergunta nas páginas de um bloco de notas 
aquele que eu nomeei como "futuro" 
(o mesmo onde agora eu anoto a lista de compras e as contas a pagar)

sexta-feira, outubro 06, 2023

 guardei sozinha nos meus olhos míopes aquela quaresmeira em flor

o corpo deserto mal viu minguar em tanto branco e roxo o sofrimento

primavera, dizem, é também ressurreição

terça-feira, outubro 03, 2023

 menti bastante ao ler sinais

aquela lua bonita
uma saia amarela-ovo
a lagarta listrada do poema
um tapete de folhas miúdas na calçada
a rádio cantava dragão tatuado no braço 
outras aves noturnas, voejai
naveguei nos olhos dos meus gatos
verde mar profundo
em chamas

estrela feito amor é algo que nasce morta e a gente toda acha bonita de se ver


domingo, setembro 24, 2023

 tentar rasgar a felicidade com delicadezas de seda

quando é de manhã teu hálito explode  morno em minha nuca

perfura meu peito uma garra fria

tuas mãos escrevem segredos em minhas costas

faço silêncios enquanto arrebento

a língua enrodilha-se em transe

meus dedos beliscam de novo as asas do inseto noturno

quarta-feira, setembro 20, 2023

 eu queria escrever sobre as cores dos teus olhos. mas é como se teu rosto se vestisse daqueles aneis ordinários de camelôs cujas pedras alteram a tonalidade conforme o humor. tu me explicas que é a luz que ora colore de castanho o verde intenso ou enche de transparência tanta cor. uma floresta inteira em redemoinho. quando tu mentes eles escurecem e eu também. teus olhos dizem mais do que teu corpo todo. é como eu quando escrevo. daqui onde estou espio teus olhos amarelos e úmidos diante da palavra amor.

domingo, setembro 17, 2023

 enovelado inteiro o meu pavor no teu abraço 

o corpo se debruça sobre a murada do andar mais alto do edifício

a praça da infância, um rio que guarda uma cidade inteira, um navio fantasma com suas bandeiras coloridas, alguns prédios amarelos guardando história

embaixo tudo é estático e está em movimento 

como um bonsai (ela me disse)

de longe eu nunca tenho medo da vida

que flui violenta sob as calçadas do centro da cidade


os olhos já saltaram, suicidas

os pés  seguem fincados na terra

a sanidade que resta

sexta-feira, setembro 15, 2023

 numa ocasião minha mãe me levou numa festa de meninas ricas. num quarto de brinquedos havia muitas bonecas, tantas, que eu nem conseguia contar. não podíamos pegar. só a criança da casa, empertigada e receptiva, escolhia quais quais apresentar, quais oferecer ao toque. a grande atração,  no centro do quarto era uma casinha - inha - porque era do tamanho para algumas das menores bonecas morarem: uma família inteira. para nós, era quase da nossa altura, de tão grande. pelo teto que se abria, ela manipulava as moradoras, mãe, pai, filhinhas, gato, cachorrinho: fabulava, dava-lhe os direito à atuação diante dos nossos olhos espantados e mãos de quem assiste a tudo com ansiedade. nem as bonecas nem nós tínhamos escolha sobre o enredo mil vezes ensaiado, a não ser viver o espanto de sermos deliciosamente controladas por horas sob a lusco-fusco da luzinha amarela que vinha de dentro do brinquedo. éramos todas miúdas marionetes circulando pelos luxuosos cômodos daquela mansão em uma tarde festiva. "agora está na hora de dormir, filhinha, que o papai vai te contar uma história" "que tal fazermos um bolo juntas para o surpreendermos quando voltar do serviço?" "auauau" "que malandro, quebrou meu vaso chinês" "vamos para a serra dar um passeio?". a, a crueldade infantil.

aquele talvez tenha sido o primeiro momento em que esperei desesperadamente ser outra. uma pequena boneca de plástico de origem duvidosa cuja vida perfeita era, por algumas horas manipulada diante dos meus olhos encantados sob a lâmpada confortável das tardes.

domingo, setembro 10, 2023

beijar tua boca com língua de faca, enquanto olho um pedaço de azul nascer no meio das raízes que insistem em fazer caminhos entre nós 

- mais de cem metros sob os pés

pior que figueira

(tu me disse)


esperar que o amor escorregue por elas

feito água que sou


e incendeie a casa inteira

sábado, setembro 09, 2023

 amor

teu nome redondo em minha saliva

princípio de língua

ora trono, ora antro 


antagônico

sábado, setembro 02, 2023

           acordo pra olhar o mar

a ressaca tem a cor dos teus olhos

segunda-feira, agosto 28, 2023

 uma alegriazinha feito sol que entra sorrateiro nas frestas vagabundas de veneziana. bom dia. luz bastante. feito mãos que se procuram enquanto uma quadra inteira é percorrida. passadas rápidas descompassadas. café. feito as do peito no primeiro abraço. eu lembro. quentequente. sol de domingo.

sexta-feira, agosto 25, 2023

 e eu pensando que antes é que sabia ir. uma grande mentirosa diante de um grande nariz. o que nunca fui é de partir: sou das que finca pé, firma ponte, espraia raízes - e até quando àgua; inundação. 

domingo, agosto 20, 2023

 Amor é caos. im-per-ma-nên-cia. palavra guardada sempre esquecida. travessia apagada no corpo de uma ponte. 

Amor são quase 365 barquinhos. navegar é uma escolha sobre remar, flutuar ou se atirar em águas profundas. o azul sepulta o corpo (alguém disse). 

Amor é remédio (alguém disse). o Amor ventando tudo, borrando os sustos. o Amor quando bebe o café morno em silêncio lambe as feridas abertas.  

Amor é nós no escuro do quarto. silêncio. 

Amor é caos no escuro. amarelo. 

o Amor é  velho (tu avisou).


Amor é princípio (tuas mãos nas minhas costas) 

Amor é meio(rimos de bobos) 

Amor é fim (e tudo fica bem)

sábado, agosto 19, 2023

 quando eu era criança, eu adorava perfurar papéis. pequeninos pontinhos que minha mãe e eu guardávamos,  enchendo caixas com as minhas horas ociosas. era a forma que ela encontrava para continuar trabalhando enquanto eu permanecia entretida na minha missão em fazer confetes. 

uma vez por ano, a cidade fria abria as janelas e sujava de partículas de alegria o ar e as ruas úmidas. meus olhos pendurados no parapeito da janela envaideciam-se, artistas. 

para sempre aquela fotografia moveu-se suave na memória da menina que às vezes desperta no meu peito diante da felicidade miúda do cotidiano.


sexta-feira, agosto 18, 2023

 quando fecho os olhos, ainda nos vejo rindo enquanto mentimos que somos um casal em busca de uma vida imperfeita nos azulejos antigos. as línguas entrelaçadas como braços num amor indesejado. nós na cama, nós em silêncio no café da manhã,  nós procurando um pedaço de corpo por sobre a mesa dos bares em calçadas sujas, nós desenhando em fotos de futuros caducos das cidades desconhecidas. nós. 

fora dos meus olhos febris sou a mulher lúcida que evita olhar para os topos das árvores e para os musgos que insistem em brotar entre as lajotas do pátio. 

nunca mais vou escrever saudade.

domingo, agosto 13, 2023

tem tempo,  Amor, que só quero dizer que tu descanse. desaperta o passo, desacelera o voo, que a vida agora existe. 

olha as plantas no pátio iluminado, as gatas que dormem nas cadeiras, alguns insetos que visitam o café que eu bebo todas as manhãs no degrau da soleira da porta. tira os sapatos, senta comigo (ou deita sobre a colcha de crochê colorida) e fecha teus olhos de dilúvio. 

depois de navegar, sempre é bom chegar em casa.

segunda-feira, agosto 07, 2023

          e se eu te amo com essa rudeza de bicho é porque ainda há em mim esse tanto de lava

segura-a delicado com teu dedos de pássaro

o que não escorregar entre eles é meu coração de pedra

é teu

sexta-feira, agosto 04, 2023

os nomes dos filmes escritos numa caderneta esquecida na última gaveta da mesa da entrada pelo desejo sonolento dos que não tem mais viço mas ainda assim querem as bocas as mãos um pedaço de pele qualquer tocando outro pedaço de pele qualquer que escapa numa noite fria. nunca tragadas em goles gargalhados pelo excesso de vinho as cenas numa sala escura. aquelas noites rasuram memórias (confusas) de uma felicidade clandestina.

segunda-feira, julho 10, 2023

e se eu tirar o dedo? e se eu cansada que estou só desistir e usar as palmas das mãos com todos os dedos pra cobrir meu rosto e recolher minhas lágrimas? o que explodirá sobre todos nós irá nos destruir? conseguiremos enxergar submersos nas toneladas de água e galhos e folhas e peixes,  confusos? saberemos nadar? conseguiremos respirar? buscaremos as mãos uns dos outros? eu estarei sem ar na culpa por ter deixado que a inundação descontrolada tomasse conta daquilo que acreditávamos que era nossa vida? bom-dia. comprou-o-pão? que-horas-tu-volta? também-te-amo. tomar-café-depois-das-6-vai-tirar-o-sono. estudar-é-importante. diante do dilúvio das agendas, dos planos, das impaciência. as fugas. 

debaixo d'água só sobrevivem as ruínas. 

ou quem vê é quem se movimenta. 


quem de nós?

sábado, maio 13, 2023

(porque eu leio cris lisboa)

lembra de onde te dói quando faz escuro e ninguém enxerga

e de quanto um abraço aquieta tuas angústias

e uma palavra boba te faz gargalhar por dias sozinha

anota e guarda no bolso onde fica o dinheiro, pra ser surpreendida no meio da correria

descansa também 

conforta os teus fantasmas, teus mais velhos conhecidos

a essa altura tu já sabe que ressentimento sempre passa

(conhecimento barato comprado numa prateleira de supermercado)

coloca uma saia que rode enquanto tu dança 

tu ainda dança 

e que tudo ainda gira sem controle, mesmo que tu não goste dessa ideia

envelhecer é deixar ir

(tu nunca usou relógio de pulso porque tinha sempre pressa: tu ainda lembra?)

está esfriando: volte a tomar chá antes de dormir.


segunda-feira, maio 01, 2023

no teu desenho meus pés em ponta pisam a beira do precipício. é nietzsche, tu explica diante do meu susto. (quando eu era criança morava no décimo quinto andar e sentava na mureta da sacada balançando as pernas). tua voz cansada se espalha pelas minhas costas nuas enquanto repetem a imagem roubada: é preciso ter asas quando se ama o Abismo. rimos de bobos. e escondo meu rosto em teu abraço para sobreviver em terra firme.

fim.

no sonho o cativeiro queima
o pavor espremido sobre a vidraça
denuncia desejos estúpidos
agora tudo
chama
risco
mostra

permaneço até ser só labareda?
escancaro a porta para o estranho entrar?

sexta-feira, abril 28, 2023

tua voz ainda ecoa como o tapa 
que nunca houve mas podia
e da mesma mão que não batia
estirava-se o braço que acolhia
abrigo dos outros perigos que o mundo 
                                           [todinho se fazia
as gentes, a fome, a solidão,  a doença,  
a loucura, meus próprios nãos 
o sexo,  a mãe, todo tipo de assombração
mas como século a página vira
e o corpo escolhe suas nudezas
não encolhe
não silencia
sem medo 
o corpo escolhe resistir 
e não permitir nunca mais deixar morrer


quinta-feira, abril 27, 2023

   meu bem, 

   às vezes estou bem. ainda não sei como escrever medo e desejo porque é outono e faz quente. existir é deixar de ser invisível. tenho me perguntado como soltar a palavra acuada, acusada. deixá-la sair assim: pelada, desavergonhada, safada, pra falar que gosta, só gosta. como verbar o corpo: beijar, dormir, sussurrar, sorrir, conversar, olhar, roncar, beber, segredar, gozar, estar, sem dever depois? 

(por isso disfarço e alimento vícios secretos inconfessáveis)

não sei dizer mais, disse dois ou três poemas atrás. então engulo. amarga. regurgito.  ácida. engulo de novo.  ressentida. calo e vomito. e pela minha pele queimada escorrem suor e culpa, ardem vergonhas flamejantes. 

grito tão incompetente que.




(assino agora essa carta de horror. nome de novela mexicana. propício.)


                   A Impostora 



p.s. poderiam ser dois textos, mas é um só. decidi no caminho. 

segunda-feira, abril 24, 2023

roupas lavadas lotando o varal
ainda úmidas de tormenta 
bafo quente
tua boca, minha nuca
beijo de dias que esquecem de terminar

outono é silêncio 

sexta-feira, abril 07, 2023

havia tempo que tinha esquecido como dizer bem. antes eu sabia que só sorrir no rabo de olho era um modo de avesso certo. era um troço de ser eu pra além da casca: um pouco casco, um pouco pinça, um pouco fogo queimando no fundo daquele poço que quase ninguém visita. Abismo era uma palavra que eu gostava tanto. Deserto também. hoje eu prefiro as minúsculas: um abraço no domingo, um cochilo, pouco susto. voo baixo, sem gravidades. olha a pressão, olha. é outono e é bom porque faz frio aqui. frio é minúscula também. como beijar, dizer, dormir, esperar, envelhecer. envelhecer pode ser bonito. eu li. 

escrever é um jeito de enxergar pra fora.

sábado, março 11, 2023

te contei?

escrevo como quem grita 
como quem lança os discos pela janela
e rasga as roupas
e quebra as louças
(levou dez anos pra montar o aparelho de jantar, lembra?)
vizinhos se entreolham assustados
cochicham estarrecidos
a, as palavras pretensiosas

escrevo por desvario
exaustão, descaso, ranço, vingança 
- nunca amor -
drama é sempre enchente
- canceriana, né? - você disse
- um pouco carta, você completa
eu meneio um sim, simpatiquinha

cartas de amor são ridículas!

só às vezes me guardo
caixa de silêncio
gaveta
caneta sem tinta 
quarto escuro com porta fechada

porque dizer, como a vida, 
é perigoso

(ando fingindo mal, percebe?)


quarta-feira, janeiro 25, 2023

resposta

nessa curva onde teu olho se perde
e nessa outra aqui, ainda decorada
nos meus tremores
nos meus interiores
na minha travessia até o infinito
 
meu corpo inteiro