sábado, fevereiro 23, 2008

risquei a vida no meu corpo
caderno de caligrafia de menina
(como acertar o horizonte tão reto?)

o borrão é um muro que se vê do espaço
as rasuras escuras escondem o erro
(qual era a palavra querida?)

as linhas continuam nas mãos
pequeninos túneis sem locomotiva
o buraco visto em uma agulha perdida
fechadura

a palavra emenda o mundo
lê histórias pra me fazer sorrir
se choro é porque adormeci

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

ando pelas ruas de olhos fechados
sou meus pés descalços na pedra fria
sinto tudo que não posso ver

os bêbados riem porque desconhecem
crianças inocentes e cruéis pinçam as asas coloridas de uma borboleta
o dia é devorado com semente e polpa verde
e os líquidos todos vertem
cachoeira, pranto, sangue, sol

sou a frieza do gelo que se extingue até tornar-se saliva espessa
costuro-me por dentro
agulha engolida com linha prata, cicatriz
as obscuridades se abrem
nascem palavras
ai

domingo, fevereiro 17, 2008

caixinha na cabeceira
a chave em bolso de calça
esquecida na lavanderia
mala roxa guardando lembranças
retratos antigos
do que fui um dia
os cheiros dos homens que fui
as mechas dos cabelos que tive
e algumas pedras
o que pesa é a saudade
e aquilo que eu não sei
frágil tatuado no lado esquerdo
pra poder não partir

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Oscuridad

Nem é maio, mas é tudo muito rápido e eu flutuo - um obelisco (monumento, falo) em névoa azul penetrando a treva. Nos esgotos correm os trens e os subterrâneos desejos, oscuridades sob os passos dos que sempre andam (e nem sempre vêem). Subtem-se, sublimados pelo ar de prata. Abelhas riscam o asfalto largo cercadas de concreto e história. As palavras gritam nas paredes das casas e das calçadas. Nem é maio, mas elas estão sempre esperando filhos, embaraçadas. Uma casa cor-de-rosa ergue-se majestosa fazendo sombra sobre os títeres. Nem é maio, mas venta. Buenos Aires é uma cidade pra se morrer lentamente, asfixiando-se em silêncios, cafés e tangos de Gardel.