segunda-feira, abril 04, 2022

Li muitos textos sobre caixas.
Profundos, delicados, crueis.
Caixas pra classificar problemas, pra recortar e guardar palavras, pra prender o mal ou revelar a esperança.

Uma encaixotou uma mulher. Outra, retratos de família. Houve a das memórias da menina, com a bailarina e a música girando.

Sobre as minhas ninguém contou. 
Aprisionei em alguma a dor da filha perdida entre as quinquilharias 
e as mentiras servidas em almoço de domingo. Na outra acomodei a mãe chorando na sua escuridão com a chave perdida. 

Guardo caixas vazias, com bijouterias quebradas, com fotografias caóticas e desordenadas. Não conversam mais sobre quem são as pessoas que comemoram aniversários ou se abraçam como se fossem íntimas. Dali só as crianças permanecem. Sementes, se salvaram da amargura e do ressentimento. Não são fantasmas impressos no vazio do tempo. Viraram nome próprio. Mulher. Sobrevivente das mentiras silenciadas. Nós. Agarram vida com dedos de quem arrebenta segredos, destroça dores antigas e devora misérias familiares com dentes  furiosos.

O mundo é parido dentro do estômago de quem arrancou os cordões.

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